Qual é a sua graça?

“Procurar a expressão, por uma vida inteira que fosse, seria em si um divertimento, amargo e perplexo, mas divertimento...” (Clarice Lispector,  A mensagem)

Quem é essa estranha figura, enganosamente simples, amado, detestado e temido por tantos - mas a poucos indiferente - e que chamamos Palhaço? Ou Clown, se preferir assim?
Melhor talvez, seria começar dizendo o que ele não é. O Palhaço não é um personagem a ser interpretado por um ator, alguém espalhafatoso e colorido que vai por aí animando festas, não é um caridoso de bom coração que anda por hospitais salvando crianças doentes, não nasceu com o circo, não é um desleixado, não é também a figura sempre triste que lhe tentam impor. Não é...

Quem é, então?
Conhecido há 5 mil anos, andou por todos os lugares onde o homem esteve. Tendas, ocas, ruas, praças, teatros e, mais recentemente, o circo. Como Bobo, andou pelas cortes, entre imperadores e rainhas; como Arlequim, Pierrô ou Colombina, da Commedia Dell'Arte, andou pelos teatros do mundo. Fez rir, chorar e emocionou.
Entre os povos nativos da América do Norte foi um trickster sagrado que trazia o riso. Foi Heyokah entre os Sioux, Koshari entre os Pueblos. No Brasil, entre os índios Krahôs, do serrado central, ele é Hotxuá, o Palhaço Sagrado. Sempre muitos, sempre mutante, sempre errante, sempre buscando, nunca definitivo.
Marginal e vagabundo. Esse é o Palhaço.

E o que tanto busca?
Não busca, é buscado. Aquele que se dispõe a ser Palhaço deve encontrá-lo. Ele vive no corpo, no espírito, na expressão, nos panos e formas da roupa que incorpora ao corpo, ele vive nos sapatos e na gravata, vive nas cores que pintam seu rosto. Branco, preto e vermelho: o sublime, o grotesco e a vida; a graça, o ridículo e a paixão. Vive na sua máscara, o nariz vermelho, que mais revela do que esconde. Quem o procura, busca a própria Graça, porque "não nos tornamos Palhaço, nascemos Palhaço. E o revelamos".

A casa errante.
O universo do Palhaço é circular. Ser do mundo, do circo e do picadeiro. Ser em cena. Deixar para trás, em cada partida, a clareira vazia aberta na terra, onde a lona abrigou durante algum tempo seus sonhos e sua intimidade. Mambembe, zambembe. Livre. Ser da praça, circular na rua, de cidade em cidade, encantar a lua. Anjo torto, errado e errante.

“Eu sou enfim a própria coisa que vocês procuravam [...]. E o mais engraçado é que não tenho segredo nenhum”
(Clarice Lispector, A mensagem)




Para saber mais

Livros
Cláudio Thebas, O livro do palhaço
Henry Miller, O sorriso ao pé da escada
Alice Viveiro Castro, O elogio da bobagem

Filmes/documentários
Selton Mello, O palhaço
Federico Fellini , Os palhaços
Letícia Sabatella, Hotxuá

Oficinas
Rodrigo Robleño (Palhaço Viralata), Os caminhos do palhaço
Zildo Andre Vieira Flores (Palhaço Sr. Flores), Ser em cena



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